sábado, junho 24, 2006

The dark side of the Manguetown

Estive conversando por estes dias com um amigo, o André Teles, que por sinal tem um blog bem legal e bastante poético (o www.apartamento902.blogspot.com ) , sobre a musicalidade das bandas de Pernambuco que fazem misturas do mundo do rock com o regionalismo. Falei o quanto nada significava para mim o côco de D. Selma durante os anos que eu passava na frente da casa dela pedindo licença às pessoas para seguir meu caminho: geralmente algum lugar na cidade alta onde rolava alguma coisa da MPB como o João Bosco ou algum som new wave tipo Blitz ou um Talking Heads.
Bem, muitos dos meus amigos da periferia que curtiam música, começaram escutando o que rolava na rádio e na TV mesmo, não existia outro acesso... mas depois fomos crescendo, adquirindo os discos ( eu comprava os LPs sem nem ter equipamento de som, comprava fita cassete para escutar em toca-fita emprestado, era assim) . mas o interesse por música foi crescendo, crescendo e a medida que íamos conhecendo novos sons íamos ficando mais exigente, mais seletivo... coisa bem natural de acontecer, o ouvido vai se educando, vai conhecendo... e nossas mentes vão desejando informações novas e mais comoventes e envolventes também...
E eu continuava passando pelo coco de D. Selma sem nem prestar atenção...
Cada época ia conhecendo e se interessando por novas coisas: música erudita, punk rock, psicodelia, jazz, blues, funk, soul, reggae... o que caísse na rede era peixe... e alguns dos artistas que ía escutando ia ficando em minha mente, em meus gostos e outros iam passando, sendo esquecidos , descartados...
Continuava passando na frente da casa de D. Selma do coco sem perceber qualquer movimentação que me chamasse atenção, eram sempre as mesmas pessoas que dançavam lá o côco na rua mesmo, em frente a sua casa.
Surgiu o movimento mangue, eu já tava na istiga de tocar, já tinha estudado em um conservatório, já tava com minha banda punk formada ensaiando no estúdio de Li ( ou seria Lee) lá na Mangabeira ( Devotos do Ódio tb ensaiava lá e Canibal tinha cabelo curto!).
Eu, que das bandas daqui só curtia Arame Farpado, Realidade Encoberta, Academia do Medo, Devotos do Ódio, Subnarcose, The Dreadfull Boys, e The Headsbacon e Suas Acerolas Explosivas, Câmbio Negro HC, Marijuana, estas coisinhas assim bem distante de regionalismos, fui um dia ver ao show do Chico Science... que nesta época ia abrir ao show daquela outra banda que eu gostava muito e fazia covers do Pixies... hummm... a Eddie! Era isso, o Chico ia abrir para a Eddie e eu ia curtir muito qualquer música do Pixies que a Eddie tocasse!
Nesta época minha nova banda também estava se formando ( a Garapa Nervosa).
E sabe o que vi? Uma banda que fazia um som massa, que tinha tudo a ver com as coisas mais legais que eu já tinha escutado no rock brasileiro: o disco "Psicoacústica" do Ira! Os "3 Lugares Diferentes" do Fellini e "Supercarioca" do Picassos Falsos, discos que eu tinha em casa que era uma ds grandes curtições da galera "alternativa" ou dark do Recife na época... uma grande referência... e os caras faziam um som assim! Era, era a Chico Science e Nação Zumbi trazendo para o Recife o som mais underground que se fazia no eixo Rio-São Paulo! E isso sem falar da grande influência que os caras tinham também das músicas cantadas nas rodas de break que eu costumava ver na Dantas Barreto, centrão da cidade!
E tudo isso somado às batidas do Daruê Malungo que faziam um bom samba-reggae... iguais aos do mara-mara-mara-maravilha-ê-egito-egito-ês que ocuparam as ondas do rádio alguns anos antes... Que doidera hem?
Pois é, estranha a grande cara urbana que tinha o mangue e seu manifesto (e que tem até hj) e não ser reconhecida, pois a valorização da mídia e das secretarias de governo tendeu para o lado da cultura regional, que para mim sempre foi bem quista por uma elite social e pelo povo de bairros mais tradicionais que tinha crescido nisso; quem curtiam não eram os jovens de meu bairro, isto eu tenho total certeza... e até hj é assim: existe uma infinidade de jovens em Casa Amarela por exemplo que produzem funk, produzem techno-brega, produzem hc, produzem rap... mas poquíssimos que fazem maracatu, côco... os jovens em sua maioria tá atrás de adquirir uma pick-up ou uma guitarra em vez de rabeca e alfaia... bem, porque então a tão grande valorização do mangue e seu regionalismo em detrimento do seu lado mais urbano que é a maior característica das bandas expoentes do chamado movimento mangue: Nação Zumbi e Mundo Livre S/A ?
Estranho muito estranho...
Mas temos mais elementos, não é a toa a grande relação da sonoridade do movimento mangue com as bandas darks paulistanas... os caras são de uma cidade, que depois de São Paulo, que é a quem mais consumiu Ira! e Fellini em seus momentos mais obscuros, e estas bandas são tão referências para Pernambuco que ambas tocaram no REC-BEAT... o Ira! Veio aqui antes de sua atual ascenção e o Fellini, que tinha acabado, ressuscitou para única apresentação no Recife! Isto sem falar que o Chico e a Nação já no seu segundo disco gravaram Crianças de Domingo ( de uma outra banda com integrantes do Fellini e dos 3 Hombres e a nossa paulistana-meio-recifense Stela Campos)! Ainda no Afrociberdelia tem uma faixa instrumental ( que o meu amigo André sabe bem qual é) que tem um solo de guitarra que é a cara de uma música de um disco que tenho em minha casa dos Stone Roses, banda de Manchester da segunda metade dos anos 80 e que passou a ser uma grande referência psicodélica dentro do mundo "alternativo" . Bem se o segundo disco do Chico & Nação é psicodélico não é estranho que as referências de Lúcio Maia sejam... difícil é a imprensa declarar isso...
O André Teles teve uma idéia: transformar nossa reunião de audição de discos em um vídeo...
Se optarmos em escutar o Supercarioca todinho vamos encontrar nele a Nação Zumbi, o Mundo Livre, o Cordel do Fogo Encantado e até mesmo o Querosene Jacaré! Cada faixa da bolacha era uma fórmula para uma banda recifense dez anos depois.
E que reinventemos mais uma vez, os caranguejos com cérebros não beberam na tropicália: mas no marginal rock oitentista nacional.
Fui.

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